sábado, 27 de dezembro de 2008

A escuta nossa de cada dia

Escutar não é simplesmente uma função orgânica. Em psicoterapia a escuta é um instrumento, treinado e disciplinado. Exige atenção. Escutar é uma entrega, é sair de si mesmo e adentrar ao desconhecido. Há algum tempo que tenho sido mais agradecida ao poder da escuta do que quando iniciei na caminhada profissional.
Já me disseram: "mas como tu podes dizer que não sabes nada se tu estás sempre estudando e trabalhando!" Na verdade, o que se "sabe" em termos de conhecimento não é suficiente quando se trata de conhecer ao outro. O conhecimento é uma base que auxilia na associação livre. Associação livre e atenção flutuante são ferramentas da escuta, emprestamos a capacidade de ouvir e deixar que o mundo lá fora fique onde está para que possamos mergulhar naquilo que o outro fala, sente ou nos faz sentir, enquanto que a mente paira em um estado que "capta" e traduz um sentido compartilhado. Logo, o conhecer é tão importante quanto o não julgar de forma linear. Não é possível conhecer o outro do ponto de vista interno e sim relacional, porque o outro está para se conhecer em psicoterapia e nos dá a conhecer na medida em que a interação ocorre.
Uma das lições mais difíceis para um terapeuta em formação é reconhecer que a capacidade de escuta pode falhar e a pessoa que se trata aponta, reage e nos faz conhecer que este processo não é simples, que a conversa do tratamento não é a conversa convencional, e muito menos a conversa informal de vizinhos, parentes ou amigos. Faz perceber que é preciso conhecimento, técnica, treino, entrega, paciência, auto conhecimento... É uma longa caminhada e que produz resultados incríveis. Na verdade, só sabe o que significa quem experimenta, quem vivencia o processo, quem toca e quem se deixa tocar com todos os erros e acertos que isto traz.
O diagnóstico e a técnica são indicados conforme as queixas, sintomas, sofrimentos, ações, comportamento... Há estudos e tudo é rigorosamente considerado, o trabalho é árduo e detalhista. Porém, o terapeuta é o próprio instrumento de seu trabalho que necessita ser refinado, preparado, tratado.
Para aqueles que pensam que a escuta é algo simples, afirmo que não é. A escuta verdadeira é resultado de um processo longo e de grande amadurecimento. É diferenciada e produz mudança. Experimentar é a chave.
Renata Kulpa

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